segunda-feira, 6 de junho de 2011

Abditae causae

Só ele a fazia sonhar muito. Ou temer muito.
Pesadelos de dia inteiro e noite longa. Medo veia acima, de encher e bombear o coração aos pulos tão fortes. E logo tão fraca.
E agora no silêncio, que inércia tem ela. Acordada se tem desse sonho mau.
                Mãe, tive um sonho mau. Abraça-me bem forte e parte-me as costelas, para doer que estou viva.
E fica ali naquele sonho mau, que só ele lhe parte as costelas como gosta. E o coração com odeia.
Quantos beijos contou sem sabor, sem língua. Sem dor. Sem amor. Para que soubesse que caminha em frente, ao vento que a empurra e a leva para longe.
Uma mão na perna e mais acima e abaixo. Num decote profundo que incomoda e apetece. Agarram-se as carnes, mexem-se os corpos para cima e para baixo num compasso que não conhece. E nem quer aprender. Os olhos abertos e esbugalhados à espera de sentir. E fixa a esquina na parede que quebra o tecto à procura da imagem daquele outro aposento vazio, desfeito, vendido por dinheiro podre, que tantas conhecem mas ela. Só ela o viu. E outra investida, a fundo para baixo ou para cima. E ainda não sente. Não o sente, nem na parede, nem no cheiro, nem no toque, nem no medo.
O aposento outro, imaculado dela não é medonho como aquele. De janelas trancadas à espera das quatro da tarde e da mãe a chegar. Do tempo que se esgotava rápido, no medo veia acima, de encher e bombear o coração aos pulos. Do cabelo seco e áspero seguro de mão forte, puxado de violência para cima e para baixo na penumbra das quase quatro. De mão no chicote, na chibata, de olhos sem sentir, de boca torcida nos olhos semi-cerrados. O medo mais veia acima. O coração mais pulsante.
                Vem cá!
Porco. Sujo. Rebarbado. Medonho.
Abre-se-lhe a boca, vê-se as goelas e enfia-se-lhe o nojo boca a dentro, noutra investida, a fundo para baixo ou para cima. E sente. O medo na veia, no coração. De joelhos, a rezar, a implorar pelas quatro da tarde. E de novo as goelas à mostra de língua enfiada, lambuzada, salivada, comida. Gasta. Desgastada. E as quatro da tarde à porta. Silenciosos, com as goelas secas, as cordas vocais rasgadas e a voz vazia. Veste-se o corpo que nem despiu da goela suficiente. Abrem-se as janelas. Penetra a luz. E a porta. E a mãe.
Quase se esqueceu e lembra-se a puxar o sentimento noutra investida, a fundo para baixo ou para cima. E ainda não sente. Nem sentirá, nem na parede, nem no cheiro, nem no toque. Nem no medo.

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