segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A mensagem

Hoje caiu-lhe o cortinado do chuveiro em cima do corpo molhado.
E logo aquela mensagem sem dono
podes usar o chuveiro, não feches a água por causa do esquentador
Foi apenas deitar o lixo fora. Encontrou uma amiga antiga. Foi sem querer. Não tinha dono.
E o lixo que se amontoava naquela casa junto com os garrafões de dejectos. Empilhados. Aos montes. Mas foi deitar o lixo na rua e por lá encontrou a amiga.
Volta a colocar o cortinado, ajeita o varão, de corpo frio, gelado. Ainda molhado
podes usar o chuveiro, tem cuidado com o cortinado por causa do varão
E o esquentador da vossa casa. E o cortinado da casa dela.
Os pés da amiga a molharem-se. Os pés dele no chão do chuveiro. Ela encharcada, submersa dos pés à cabeça nos chuveiros que partilhou.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Afinal...

Sabes Amor, faz-me falta.
Faz-me falta o teu silêncio. A minha voz no teu olhar longe. O teu murmúrio apático quando o silêncio já se ouvia demais. A tua falta de sins. E nãos.
As tuas conversas – monólogos meus.
Sabes Amor, desculpa afinal.
Desculpa as vezes que gritei com a tua voz vazia. Que chorei por só me seguires e não me levares.
Tantas vezes, Amor, desejei ouvir as vozes de tantos, barulho de muito. E agora, Amor, agora a falta do teu vazio fazer-me-ia tão cheia.


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O papão

Ali estava ele. Hirto, menir ancestral. Do outro lado da rua, em pé, ao alto. Forte. Firme.
Olhou-o em frente, mas de lado. Tão grande, tão gordo, tão feio.
Um, dois beijos, na face. Na ferida.
Ali como previu. Aqui.
Aquele silêncio de sempre, tão grande, tão cheio. Só os pés no granito e os gritos do vento, frio, gelado. Grande. Cheio. Um pé e outro num andar em frente, sujavam a rua, marcavam-na para sempre. Como esta, tantas.
À chegada abrem-se as portas, as pernas. A alma. Mostra-se o cantinho, o conforto. As paredes limpas, imaculadas, virgens. E só de olhar tão sujas, violadas, penetradas.
Não pensa, nem existe. Não persiste, nem resiste.
Silêncio. Sufoco.
Vai-te embora! Sai daqui! Afinal não quer. Afinal não gosta.
Silêncio.
Uma mama. Duas mamas. Limpas. Imaculadas. Virgens. E sujas, violadas, penetradas sem palavra alguma, de olhos cerrados. Cego, distante. Marcante.
Esperma. Sangue. Lágrimas. Tantas lágrimas.
O grito dela, tão preso, já quase esquecido, condenado à morte, se libertava da garganta seca.
Minha neta.
Avó.
A presença da sua ausência, como antes por entre outras paredes sujas, confortava o grito inevitável.
Um dia. Dois meses. Três anos. A curar-se.
No colo dela.
Ó papão rola a menina.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Deus é homem

Deus desceu à Terra e fez-se Homem.
Carne e Osso. E animal. Tão grotesco, tão irracional. Estímulo. Resposta. Assim sem deuses, sem valores, sem sentires.
Assim sem fé.
E a fé, essa evolui o homem. Mas então este que é Deus não passou a barreira pré-histórica do animal. E anda meio mundo e ainda ela a acreditar nele.
Ou só ela, se o olhar comum está tão desperto.
Ainda assim enrosca-se no coração desta fiel, aquecendo-o. Queimando-o, como mais nenhum Cristo.
Ah! Mas a fé também cega os homens! E os crentes tornam-se tão burros! Tão estúpidos! Entupidos com aquela fé que não salva, mas mata num inferno que desce à Terra. Tão forte. Tão ardente. Tão aterrador. Só porque acreditou demais, tal e qual como lhe pedem?
Ora que vá para o Diabo! E o raio que o parta! Em dois. Ou às fatias. E o queime. Também.