terça-feira, 4 de outubro de 2011

Les Ponts De Ma Rue

Do que eu gosto mesmo são das pontes de carris, porque não destroem mas aliam, estão lá só para ligar caminhos no meio de coisa alguma, ainda que árvores e giestas ainda que flores amarelas e brancas e barrocos ainda que tudo tão verde e cinza, coisa alguma, uma casa ali de alguém que já foi já sem tecto, coisa alguma. E eu gosto das pontes porque nenhuma coisa porque um nada verdadeiro, não como aqueles sítios em que enganam as pessoas ao dizerem que gente e no entanto
            coisa alguma
amostras de gente, e esperançar-se que gente e os dias todos amostras de gente, se assim tiver de ser melhor coisa alguma que não se esperança amostras de gente por gente
            coisa alguma
que não há nas pontes e por isso tão bonitas, porque se sabe para o que se vai e esperança nenhuma. Mas da minha rua não se vêem as pontes, ainda que árvores e giestas ainda que tudo tão verde e cinza gente aqui e ali ainda que tão menos que verde e cinza
            amostras de gente
e na minha rua só eu sei que
            amostras de gente
há ruas mais pele que verde e cinza que tão cheias de sentir como pontes no meio de coisa alguma e logo tão todas as coisas, mas na minha rua um carro e só um, ruído algum uma subida só de um lado casas, do outro o verde árvores e giestas flores amarelas e brancas e barrocos e uma casa ali de alguém que já foi e outras aqui
            amostras de gente
e não consigo não me lembrar da minha rua, não esta que nem rua é
            amostras de gente
mas aquela que escolhi eu escolhi não esta que tão calma verde e cinza que melhores em pontes de carris e não em ruas por isso na minha rua gente que não eu talvez eu
            amostra de gente
ainda que eu mais pele que verde e cinza
            uma casa ali de alguém que já foi
e eu já fui mais pele na minha rua que não esta por isso sei que gente em ruas e coisa alguma em pontes de carris que unem verde ao verde mesmo que nesta rua não se vejam as pontes tudo são pontes que atravessam coisa alguma que não a mim que escolhi a minha rua e agora esta.
Na minha rua via-se gente, da minha janela de fronte para janelas outras com gente e eu ainda que parecesse sentar-me numa ponte via gente toda sorrisos toda amigos toda barulhos ainda que eu na ponte talvez eu
            amostra de gente
preferia ver gente a ser gente mas na minha rua eu parecia ser gente e talvez eu gente.
Na minha rua muitos carros silêncio algum à noite como dia, não como aqui, carros estacionados em fila sem espaço para mais algum parquímetros que contam o tempo a dinheiro e perto das pontes tudo livre sem dinheiros, na minha rua eu autocarros eu metro eu a pé à chuva ao sol autocarros não sítios números e eu apertada junto de gente contra gente de fronte a gente na minha rua eu mochila de comida pacotes de leite nos braços que fazem músculo e eu ossos, eu que gosto de ossos e nem me apercebi, agora carnes mochilas nenhumas comidas já preparadas, na minha rua mochilas pacotes de leite comidos sem mim e eu cigarros e ossos que nem me apercebi eu que gosto de ossos, a chinesa não como aqui telas e pincéis a chinesa frutas baratas a criarem-me músculo nos ossos pela subida da academia militar, militares à porta em sentido e eu mochilas pacotes de leite frutas comidas sem mim eu preto e plataformas militares a sorrirem aos meus ossos e se calhar a rirem que eu talvez
            amostra de gente
confiante mais do que agora tinha-te a ti pensava que gente mas
            amostra de gente
sozinha a criar músculo para me levantar a seguir, aqui em pé na minha rua em pé sempre em pé que os parquímetros contam o tempo a dinheiro.
Lembro-me de subir a minha rua num dia em que tinha visto gente sorrir para mim no metro a pedirem-me salva-te com os lábios e era gente gente verdadeira mas eu calçada acima já na rua dizem que portuguesa pedras encaixadas umas nas outras que deslizam da gente que as pule (aqui não gente logo tudo rugoso sem deslizes) e eu calçada portuguesa enfim a sorrir a ninguém ainda que
            militares a sorrirem aos meus ossos
gente na minha rua ao lusco-fusco e tu no meio delas calçada abaixo mas
            eu calçada acima
sem deslizares que tu não deslizes tu anjo arcanjo tu diabo calçada abaixo de braços abertos como quem me esmaga o sorriso de quem me pede salva-te tu calçada acima antes de mim tu mochilas pacotes de leite frutas comidas sem mim se não minhas tu músculos calçada acima a deslizares porque tu diabo ainda que eu a sorrir ainda que eu mochilas pacotes de leite frutas comidas por ti, tu calçada acima antes de mim a cruzares a minha rua e a seguires para outra onde a sorrir te encontras com carnes já que tu mochilas e eu mochilas e ossos mas tu calçada abaixo sem deslizares mas antes ainda rua acima e a outra não mochilas, carnes, na minha rua anda sobe, e não deixa estar, que a rua minha sabias que a rua minha? que eu a escolhi? por entre colchões no chão janelas que não de fronte a janelas com gente porque não janelas e quartos escuros colchões no chão e dormida com baratas e então a minha rua que eu escolhi e tu deslizes, anda sobe, porque tu amostra de gente a sujares a rua que eu escolhi a deixares ficar mochilas que não para mim e eu ossos e cigarros colchões não no chão mas eu tão no chão já que tu deslizes mas eu
            calçada acima aqui em pé na minha rua em pé sempre em pé que os parquímetros contam o tempo a dinheiro
a sorrir a ninguém mesmo que tu deslizes.   


segunda-feira, 6 de junho de 2011

Abditae causae

Só ele a fazia sonhar muito. Ou temer muito.
Pesadelos de dia inteiro e noite longa. Medo veia acima, de encher e bombear o coração aos pulos tão fortes. E logo tão fraca.
E agora no silêncio, que inércia tem ela. Acordada se tem desse sonho mau.
                Mãe, tive um sonho mau. Abraça-me bem forte e parte-me as costelas, para doer que estou viva.
E fica ali naquele sonho mau, que só ele lhe parte as costelas como gosta. E o coração com odeia.
Quantos beijos contou sem sabor, sem língua. Sem dor. Sem amor. Para que soubesse que caminha em frente, ao vento que a empurra e a leva para longe.
Uma mão na perna e mais acima e abaixo. Num decote profundo que incomoda e apetece. Agarram-se as carnes, mexem-se os corpos para cima e para baixo num compasso que não conhece. E nem quer aprender. Os olhos abertos e esbugalhados à espera de sentir. E fixa a esquina na parede que quebra o tecto à procura da imagem daquele outro aposento vazio, desfeito, vendido por dinheiro podre, que tantas conhecem mas ela. Só ela o viu. E outra investida, a fundo para baixo ou para cima. E ainda não sente. Não o sente, nem na parede, nem no cheiro, nem no toque, nem no medo.
O aposento outro, imaculado dela não é medonho como aquele. De janelas trancadas à espera das quatro da tarde e da mãe a chegar. Do tempo que se esgotava rápido, no medo veia acima, de encher e bombear o coração aos pulos. Do cabelo seco e áspero seguro de mão forte, puxado de violência para cima e para baixo na penumbra das quase quatro. De mão no chicote, na chibata, de olhos sem sentir, de boca torcida nos olhos semi-cerrados. O medo mais veia acima. O coração mais pulsante.
                Vem cá!
Porco. Sujo. Rebarbado. Medonho.
Abre-se-lhe a boca, vê-se as goelas e enfia-se-lhe o nojo boca a dentro, noutra investida, a fundo para baixo ou para cima. E sente. O medo na veia, no coração. De joelhos, a rezar, a implorar pelas quatro da tarde. E de novo as goelas à mostra de língua enfiada, lambuzada, salivada, comida. Gasta. Desgastada. E as quatro da tarde à porta. Silenciosos, com as goelas secas, as cordas vocais rasgadas e a voz vazia. Veste-se o corpo que nem despiu da goela suficiente. Abrem-se as janelas. Penetra a luz. E a porta. E a mãe.
Quase se esqueceu e lembra-se a puxar o sentimento noutra investida, a fundo para baixo ou para cima. E ainda não sente. Nem sentirá, nem na parede, nem no cheiro, nem no toque. Nem no medo.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

A mulherzinha

Um banho. Pega na lâmina e corta os pêlos. Todos. Uma menina. Que na banheira deixa a mulher escoar-se cano abaixo.
No espelho vê o corpo novo.
     É bonita.
Limpa o rosto da água. Das lágrimas.
Disseram-lhe que era bom. Que as pessoas ficavam bonitas.
Olha o espelho.
     Ela é bonita.
Pinta o rosto. Limpa a dor nos olhos. Pinta um sorrisinho vermelho. Deve ficar melhor assim.
     Ora então olá.
     Aqui está!
Aquela dança, para cima, para baixo, esquerda, direita. Já está!
Outro banho. Pega na lâmina e corta os pulsos. Todos. Uma doente. Na banheira deixa-se escoar cano abaixo.
Os pêlos voltarão a crescer.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A dentada

Só queria esvair-se em sangue. Fazer-se explodir num só grito e acabar ali com a história sem fim.
Qual liberdade tida em pensamento, prisão atrelada a um corpo de onde se esqueceram o paradeiro das chaves de fuga.
Na calma da demência, no último fôlego, só queria agarrar de mãos cheias naquelas palavras de outros e tantos que a querem livre. Encaixotá-las num saco de pano que mastigaria com vontade, degustando cada sabor de tais palavras que de tantas são só uma, e vomitar essa consciência de voo.
E no seu sangue apenas escorrem as palavras dele, deturpando-lhe o respeito e mirrando-lhe cada víscera, reduzindo-a a pó que snifa com prazer. E diz-lhe ser demente. E tem-se ela, à porta da demência. Chama-a e ela dilui-se em nadas escorrendo no caminho até ele. Que a bebe! Que a come! Que a suga! E defeca-a, de novo para a ter!
Mais mastigada que osso duro de roer. Mais cremada que cinzas no vento. Mais fóssil que anos da Terra, tenta a custo refazer-se do desgaste a se lhe propôs. E quando acorda do cansaço da refeita sente-se fraca para mais um dia. E só a nova dentada dele lhe recorda que está viva.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A mensagem

Hoje caiu-lhe o cortinado do chuveiro em cima do corpo molhado.
E logo aquela mensagem sem dono
podes usar o chuveiro, não feches a água por causa do esquentador
Foi apenas deitar o lixo fora. Encontrou uma amiga antiga. Foi sem querer. Não tinha dono.
E o lixo que se amontoava naquela casa junto com os garrafões de dejectos. Empilhados. Aos montes. Mas foi deitar o lixo na rua e por lá encontrou a amiga.
Volta a colocar o cortinado, ajeita o varão, de corpo frio, gelado. Ainda molhado
podes usar o chuveiro, tem cuidado com o cortinado por causa do varão
E o esquentador da vossa casa. E o cortinado da casa dela.
Os pés da amiga a molharem-se. Os pés dele no chão do chuveiro. Ela encharcada, submersa dos pés à cabeça nos chuveiros que partilhou.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Afinal...

Sabes Amor, faz-me falta.
Faz-me falta o teu silêncio. A minha voz no teu olhar longe. O teu murmúrio apático quando o silêncio já se ouvia demais. A tua falta de sins. E nãos.
As tuas conversas – monólogos meus.
Sabes Amor, desculpa afinal.
Desculpa as vezes que gritei com a tua voz vazia. Que chorei por só me seguires e não me levares.
Tantas vezes, Amor, desejei ouvir as vozes de tantos, barulho de muito. E agora, Amor, agora a falta do teu vazio fazer-me-ia tão cheia.


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O papão

Ali estava ele. Hirto, menir ancestral. Do outro lado da rua, em pé, ao alto. Forte. Firme.
Olhou-o em frente, mas de lado. Tão grande, tão gordo, tão feio.
Um, dois beijos, na face. Na ferida.
Ali como previu. Aqui.
Aquele silêncio de sempre, tão grande, tão cheio. Só os pés no granito e os gritos do vento, frio, gelado. Grande. Cheio. Um pé e outro num andar em frente, sujavam a rua, marcavam-na para sempre. Como esta, tantas.
À chegada abrem-se as portas, as pernas. A alma. Mostra-se o cantinho, o conforto. As paredes limpas, imaculadas, virgens. E só de olhar tão sujas, violadas, penetradas.
Não pensa, nem existe. Não persiste, nem resiste.
Silêncio. Sufoco.
Vai-te embora! Sai daqui! Afinal não quer. Afinal não gosta.
Silêncio.
Uma mama. Duas mamas. Limpas. Imaculadas. Virgens. E sujas, violadas, penetradas sem palavra alguma, de olhos cerrados. Cego, distante. Marcante.
Esperma. Sangue. Lágrimas. Tantas lágrimas.
O grito dela, tão preso, já quase esquecido, condenado à morte, se libertava da garganta seca.
Minha neta.
Avó.
A presença da sua ausência, como antes por entre outras paredes sujas, confortava o grito inevitável.
Um dia. Dois meses. Três anos. A curar-se.
No colo dela.
Ó papão rola a menina.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Deus é homem

Deus desceu à Terra e fez-se Homem.
Carne e Osso. E animal. Tão grotesco, tão irracional. Estímulo. Resposta. Assim sem deuses, sem valores, sem sentires.
Assim sem fé.
E a fé, essa evolui o homem. Mas então este que é Deus não passou a barreira pré-histórica do animal. E anda meio mundo e ainda ela a acreditar nele.
Ou só ela, se o olhar comum está tão desperto.
Ainda assim enrosca-se no coração desta fiel, aquecendo-o. Queimando-o, como mais nenhum Cristo.
Ah! Mas a fé também cega os homens! E os crentes tornam-se tão burros! Tão estúpidos! Entupidos com aquela fé que não salva, mas mata num inferno que desce à Terra. Tão forte. Tão ardente. Tão aterrador. Só porque acreditou demais, tal e qual como lhe pedem?
Ora que vá para o Diabo! E o raio que o parta! Em dois. Ou às fatias. E o queime. Também.